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O PORTA-RETRATO / Daniela Aquino

A chuva caía lentamente na janela do carro. Duas horas da manhã e os ventos passavam de 80 Km por hora. Medo? Não! A sensação era única e inexplicável, provocando um friozinho na barriga. Pouca grana, uma mochila nas costas e uma boa companhia.

-"¡Buenos días! Es una tormenta", falou o motorista, um senhor de uns 65 anos, de altura mediana e cabelos um pouco grisalhos. Ele era o responsável por levar o grupo até o hostel, em uma espécie de mini van, bem antiga.  Mas o alerta do condutor não nos intimidava; ao contrário. A admiração por aquelas avenidas largas e extremamente limpas enchia nossos olhos de entusiasmo.

Enfim, chegamos ao Ukelele. Um casarão antigo localizado no centro. Na recepção, uma sala enorme, um piano e um lustre enorme no teto, no estilo casarão de filme de terror, misturado com novela de época, das seis. Pensei como algum lugar poderia receber este nome e o qual seria o significado. Até descobrir que ukelele era um instrumento musical.

Nem poderia imaginar, mas nos próximos cincos dias estaria vivendo naquele país dias inesquecíveis e experiências incríveis. Outra língua, a experiência de dormir em um quarto compartilhado com pessoas do mundo inteiro e comida diferente, "carne, carne e mais carne, cadê o feijão?", só pensei.

Museus, teatros, muito tango e passeio pelos mercados tradicionais e mirantes. Conhecendo o transporte público, afinal a grana era curta. Mas em raras situações, o táxi também era uma opção.

No quarto dia, resolvemos conhecer uma cidadezinha do interior. Duas horas de viagem de ônibus e chegamos. Foi amor à primeira vista. O vento frio no rosto, cachecol, luvas, duas calças e várias blusas. No rosto, um rosado resultante do frio ideal para um chocolate quente, queijos e vinho.

De repente, avistamos um farol e as ruínas do Convento de San Francisco. Parecia estar vivendo uma viagem no tempo. Uma cidade tão pequena e com tanta história impregnada em suas paredes.

Em um determinado momento, vimos uma pequena porta na Calle de los Suspiros. Era um restaurante encantador. Se conselho vale, esse dou sem hesitar, não vá até essa cidade sem conhecer o El Buen Suspiro.  O ambiente é surreal. A entrada leva a uma espécie de porão da era medieval. Simples, aconchegante, com uma lareira incrível e luz fraca. Peço desculpas ao meu queijo minas, mas ali estavam o melhor vinho e os melhores queijos em uma combinação perfeita.

A tarde chegou, dormimos e acordamos em ritmo de despedida. A viagem seguiria pelo Rio de La Plata. Um novo país, novas emoções. Uma hora e meia depois chegávamos à capital da Argentina. O contrário do Uruguai, a cidade mais agitada com muitas opções de divertimento noturno. Ali ficamos por mais cinco dias, até retornarmos ao Brasil.

O "mochilão" de dez dias foi uma vivência única. Eu e Felipe, meu marido, nunca imaginávamos conseguir aproveitar tanto com tão pouco. Realmente, as pequenas coisas podem ser muito valiosas. Porém, los hermanos argentinos que me perdoem, mas tivemos uma identificação com o Uruguai. Simplesmente tão inesquecível, que até mesmo o porta-retrato da Argentina que fica na estante da minha sala, está uma foto nossa, não em parques de Buenos Aires, mas na memorável pequena cidade do Uruguai.

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