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EU, MINHA AVÓ E A COLHER DE PAU / Gabriel Lacerda

Certo dia estava procurando fontes para um trabalho e conheci uma mulher que era a pessoa ideal. Confesso que fiquei com medo de mandar um e-mail e ela me ignorar, por ser quem ela é, mas, no final das contas, ela me respondeu. Porém não foi de uma maneira ‘formalzona’, e sim de um jeito, digamos, ‘zueiro’. A moça, que é lá de Pernambuco, aproveitou a deixa e me respondeu da seguinte maneira, quando disse que eu era de Minas: “Uai, ajudo sim, sô. Terrinha boa demais da conta”.

Tomei um susto, mas depois sorri. Fiquei feliz e num breve momento de distração me perdi em pensamentos que me levaram para a roça. Aqui em Minas mesmo. Terrinha boa, como disse minha fonte. E comecei a lembrar da primeira vez que fiz mingau de milho verde no fogão a lenha. Sério, oh trem difícil, viu?  Eu tinha dez anos e aquele fogão, a peneira e colher de pau que minha avó usava me deixavam curioso e com fome.

Rala pra cá, rala pra lá. Coa, põe na panela, coloca leite e açúcar. Parece simples, mas não é. Meu braço já doía e eu só queria comer aquele mingau, mesmo sabendo que só ficaria pronto no outro dia (na verdade era daqui algumas horas, mas eu gostava dele mais firme, para pôr muita canela. Eita, gordice!). Eu estava ansioso com o prato ganhando forma e, cada vez mais, com fome. Esperei minha avó sair da cozinha e peguei uma colher (essas feias de ferro sem cabo) e coloquei no mingau quente. Bom, sem querer dar spolier, não tentem fazer isso em casa, nas próximas linhas eu explico o porquê.

A regra é clara: colher de metal dentro de algo quente também fica quente. E, eu com dez anos e com fome, não sabia disso. Conclusão: dor, choro e nada de matar a fome. Quando minha avó ouviu o choro, veio correndo (não literalmente, né? Ela já era de idade naquela época, então imagina hoje). Aí, depois dos primeiros socorros, que é comer uma planta que chama Saião, ela foi me ensinar o motivo dela estar usando a colher de pau.

 

Foi uma aula que dava um livro. Depois de comer mais uma folha de Saião, voltamos para a produção do mingau. E, acreditem, eu fiquei maravilhado com uma colher que não esquentava e queria entender o motivo dela ser assim. Eu pedi a colher para levar para casa e analisá-la (óbvio, claro que eu não falei analisar na época. Só queria a colher feita de madeira para mim).

 

Eu a ganhei. Fiquei feliz e tudo que eu ia fazer na cozinha, queria usar a colher.  Até suco de pozinho. O bom de tudo mesmo foi que eu comi mais mingau. E, gente, estava ótimo! Hoje, eu descobri a mágica da colher. A madeira, matéria-prima da colher, é um isolante térmico, ou seja, inibe a dissipação do calor. Credo. Termos técnicos demais para quem está falando de roça. Traduzindo, ela não esquenta.

Outra coisa que aprendi foi fazer bolo e mingau de milho verde, e que Saião, para minha avó, cura quase tudo. Eu acho que para ela, a planta só não cura a perda de algum membro. Então, caso se machuque, use Saião. Conselhos de vó são os melhores, se eu tivesse a escutado não teria queimado a boca e usaria a colher de pau desde sempre.

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