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MINHA PRIMEIRA AGENDA / Jessica Sotero

Ah, minha agenda! Sabe de tantas coisas, segredos antigos de criança, amizades que hoje não existem mais, outras que permaneceram e algumas em que irei guardar no peito a saudade que tenho. Eu, uma criança muito faladeira em sala de aula, pedi a minha mãe uma agenda de presente, até que um dia ela, voltando daquelas reuniões de escola em que sempre diziam a mesma sobre mim, me presenteou com ela. Pequena, modelo de brochura, com capa, folhas e vários desenhos cor de rosa. Havia acabado de ganhar minha primeira agenda.

Eufórica, lá estava eu escrevendo várias coisas nela, desde poemas que vinham em bombons até um que minha mãe adorava do livro “Pássaro Feridos”. Pedia a todos os amigos e conhecidos que deixassem uma pequena nota para mim, ler aquilo me deixa extremamente grata e feliz até hoje, por ter tido ou ainda manter contato com essas pessoas. Hoje, passados 13 anos, enquanto a lia, fiz uma viagem no tempo, na qual lembrei de minha infância através dessas páginas com recados de amigos, coisas sem sentido que toda criança escreve. Enquanto a folheava me deparei com uma mensagem que jamais esquecerei. Lembro-me deste dia como se fosse ontem e senti uma nostalgia que vai ser eterna.

Elielson, nome incomum não? Pois bem, era um amigo da minha família, me tratava como uma sobrinha e há anos não o víamos ou tínhamos notícias dele, pelo menos até aquele dia. Era uma sexta-feira e lá estava ele em nossa porta, simplesmente apareceu do nada, viera nos ver depois de tantos anos. Ficamos felizes com sua visita e eu, o mais rápido que pude. pedi a ele que escrevesse uma mensagem naquela agenda. Era uma mensagem brega, aquelas “filosofias baratas”, mas que ao ler me faz abrir um sorriso até hoje. Naquela noite em que surgiu na nossa porta, dormiu em nossa casa, conversamos e brincamos como sempre fazíamos, mesmo com o tempo nada mudava a forma como o tratávamos e ele nos tratava.

Ainda me lembro de como a notícia veio como uma avalanche e nos deixou em choque. Depois daquela noite, ele foi embora prometendo voltar na manhã seguinte e na terça-feira ficamos sabendo de sua morte. Nunca entendemos e acredito que jamais iremos entender o motivo que o levara aquele trágico dia. Nunca esquecerei as palavras que em meio ao choro minha avó que tanto o amava nos dissera, “ele veio para se despedir de nós”.

Não posso afirmar se a existência de um pressentimento sobrenatural que nos alerte para o fim de nossos tempos é verídica, mas o fato é que nunca sabemos o que pode acontecer com as pessoas ao nosso redor. Nunca iremos compreender e aprender que abraçar, beijar, ou que até mesmo o gesto de escrever uma mensagem em uma pequena agenda cor de rosa, possa ser a última que aquela pessoa especial fará por nós. Confesso que tive outras agendas, de várias formas e cores, sempre copiava aquela mensagem de Elielson em todas elas, mas sempre que posso releio a original. Admito que essa agenda...ah! Essa agenda, me traz um misto de saudade, tristeza, nostalgia e alegria. Sinto-me contente por ter imortalizado todos estes sentimentos nela para que assim eu sempre pudesse conviver com eles. O que é a vida senão tudo isso junto?

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