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O MAL CASADO / Ludmila Amâncio

A pequena capela em honra a Santa Luzia seria cenário do casamento de Lú, minha prima, e Walisson, seu noivo, em um sábado, na parte da manhã. Chegava o grande dia! Sem atrasos, Luciana entrou radiante na igreja, com os olhos cheios de lágrima, afinal era a união de um relacionamento que completava dez anos. Tudo perfeito, do início ao fim. O beijo, como forma de expressar aquele laço eterno, deu fim a uma cerimônia linda e muito emocionante. Os noivos, apertados com os mil gastos que envolvem um casamento, optaram por realizar apenas um simples almoço para comemorar a data.

Ao sairmos da igreja, recebemos de lembrancinha os tradicionais bem casados, doce típico popular nos casamentos. Eu que não havia nem tomado café da manhã, por causa dos preparativos, abro meu bolinho ali mesmo e em poucos segundos devoro aquele doce impecável e fofinho. “Porque não comer mais um?” Sem cerimônia, aceitei. A moça simpática que entrega o doce, sem pensar duas vezes, pega outra caixinha e me entrega. A fome era tanta que devorei o segundo rapidamente. Mas não era só eu, todo mundo estava se deliciando daquele bolo e os elogios eram dos mais variados tipos.

Em carreata partimos para a confraternização. Quando chegamos ao local, ao descer do carro, senti um mal estar horrível e uma pequena tontura. Comentei com minha mãe e ela já foi falando: “Mas também, né, Ludmila, nunca vi sair cedo de casa sem tomar café e comer dois doces com o estômago vazio.” Mãe sempre está certa e, em segundos, entendi o motivo daquele “embrulho” na barriga.

Antes de entrar na festa, resolvi sentar em uma pracinha que tinha perto do local para tomar uma fresca. Nada de melhorar, aliás, o mal estar aumentava. Até que me vejo em uma crise de vômitos. A solução? Voltar para casa. Com a ajuda de um primo enfermeiro fui andando lentamente até o carro. No trajeto um grito: “Bruno, ajuda!” Bruno era o primo que me auxiliava. Mais três pessoas estavam passando mal, todas com sintomas semelhantes ao meu.

No caminho para a casa ainda mais horror. Eu não parava de vomitar e, para piorar, começava uma tremenda diarreia. Imagina: tudo isso dentro de um carro! Tinha como piorar? Sim, infelizmente, tinha. Em poucos minutos, meu irmão começava a passar mal, logo depois, minha irmã, depois minha mãe e por fim, meu pai, que, graças a Deus, conseguiu dirigir até nossa casa e gritar por socorro, já que ele, instantaneamente, ao desligar o carro, caiu na varanda, com o rosto pálido.

Eu não tinha força para falar, nem andar e sentia muita sede. Era desesperador! Nós estávamos nos desidratando, como informaram os médicos e a minha situação era a pior. Tomei vários litros de soro na veia e meu corpo não reagia. Ouvi a vizinha que nos acompanhou dizer: “Ela não vai aguentar, tadinha.” E os médicos só indagavam: o que eles comeram? Seria algo envenenado?

Lá em Santa Luzia, a situação não era diferente. Mais de 100 pessoas já tinham dado entrada no hospital. O alerta se espalhava pela cidade: os médicos não conseguem atender mais pacientes.

Foram quatro dias internada, de luta constante para conseguir hidratação. O motivo de tudo? Salmonella, uma bactéria que se proliferou nos bem casados. Como? O doce, que estava enrolado em papel alumínio, ficou dentro de um carro preto, no sol quente, durante toda a cerimônia. Fatores estes que contribuíram para a infecção.

Em casa, me recuperando, o que eu mais ouvia era: processa o bufê. E eu ficava quieta, só respondia que depois resolveria tudo. Agora me explica, caro leitor. Como processar sua tia? Sim, esse era o presente dela para os noivos. Era impossível.

O que fica de lembrança? Risos. Exatamente isso, risadas. A história de quem quase morreu, de quem teve que usar fralda, de quem, com sede, roubou a garrafinha do médico, de quem não conseguiu controlar a diarreia e sujou o elevador do hospital ou até mesmo a cinta modeladora, de quem vomitou no táxi por aí vai. Ah, outra coisa também ficou: a certeza de nunca mais comer um bem casado.

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