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A HISTÓRIA NOS ABSOLVERÁ?/ Gabriela Guedes

A vereadora Marielle Franco, do PSOL, e seu motorista, Anderson Ferreira, morreram assassinados. Foram 13 disparos. Junto com ela, foi assassinada também a esperança de um país melhor.

 

Pela manhã, quando recebo a notícia, é impossível não cair em lágrimas. A sensação é de revolta, impotência e tristeza pura.

 

A comoção e as motivações do crime me lembraram muito a simbólica morte do estudante Edson Luís, em 1968, durante a Ditadura Militar. Assim como no caso Marielle, milhões de brasileiros levaram às ruas o luto.

 

Suas vozes, caladas com um revólver, se multiplicaram em tom de protestos em tempos de incerteza.

 

50 anos separam os dois casos e uma questão martela na cabeça: será que o Brasil não aprendeu nada com os erros cometidos no passado? Apesar da comoção, muita gente não estava nem aí. Parecem não entender a gravidade da situação vigente no país. É tudo tão igual e, ao mesmo tempo, tão diferente.

 

Paralelamente a minha revolta em tentar entender por que o brasileiro negava sua memória, tive a oportunidade de mergulhar nas minhas próprias. Tratava-se de um diário escrito a mão, quando tinha 13 anos, em conjunto com algumas amigas do ensino fundamental.

 

Imergi nas lembranças de uma adolescente com a intensidade característica da fase: sempre, nunca e não sei foram palavras recorrentes ao longo da leitura.

 

Foram muitas risadas e lembranças boas, mas me entristeci ao ver que reproduzi tantos pensamentos machistas com as pessoas naquela época. Errei. Errei feio. E pensei: quando foi que comecei desconstruir aqueles pensamentos?

 

Encontrei lá mesmo a resposta.

 

Era Juana Bárbara, minha professora de história. Vestida como pin-up com seu cabelo vermelho soviético, acompanhado de um lencinho de bolinhas vermelhas na cabeça, ela caminhava bravamente com uma bolsa na qual estava escrito em letras garrafais: URSS.

 

Ela já chegou causando: rasgou um poster dos Jonas Brothers - a boyband do momento - que, na hora, era passado de garota a garota durante a aula dela. Alegou que aqueles garotos eram produto da indústria cultural: “não percam tempo idolatrando-os”, disse, aos berros.

 

Radical, é bem verdade. Mas, apesar de ter ganhado o ódio das meninas naquele dia, eu - a garota que reproduzia machismo - a defendi escrevendo: gosto dela!

 

Aquela professora me ensinou toda a história do Brasil, incluindo o período da ditadura. A história de Edson Luís, Zuzu Angel, Ustra, Rousseff, Lula, Marighella, Tancredo, Sarney, Collor e tantos outros tão fundamentais para entender a conjuntura atual do país.

 

E, ao contrário do que pode se pensar, ela não nos influenciou a pensar como ela. Caso contrário, aqueles alunos que tanto detestavam a matéria não tenderiam a escolher a coxinha nas lanchonetes reais e metafóricas do Brasil.

 

Já estive do lado errado da história, ao perpetuar os discursos de uma sociedade patriarcal, mas tive sorte por ter uma Juana em meu caminho.

 

A avassaladora Marielle também entrou nos trilhos da história desse país. A semente deixada por ela germinou em no coração de muitos brasileiros, apesar da existência de alguns canalhas que tentam sujar sua memória.

 

Espero que as ideias da finada vereadora tenham os mesmos efeitos das aulas da professora Juana em minha trajetória.

 

Com a desconstrução, a história me absolveu. Quanto aos algozes de Marielle: a história os absolverá?

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