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AMORES PELO CHAVEIRO / Guilherme Rabello

Despeço dos colegas de serviço enquanto levo as mãos aos bolsos da calça conferindo se carteira, celular e chave estavam lá.

“Deus me livre ficar do lado de fora de casa!”

Próximo ao meu prédio, passo rapidamente no supermercado para comprar uma pizza e algumas cervejas. Para minha sorte, a Stella estava em promoção. Comprei logo as nove que estavam no freezer.

Olho para cima e vejo as nuvens negras tomando conta do céu: “Vai chover em BH”.

Chego ao portão de casa e batalho com as sacolas nas mãos - tomando o devido cuidado para não quebrar a cerveja – para pegar as chaves. Com a destra, seguro a chave exata para abrir a fechadura de ferro.

O primeiro pingo de chuva cai nos meus óculos.

Apresso os movimentos enquanto tento encaixar a chave na fechadura, mas, para minha infelicidade, o buraco parecia mudado. A chave e fechadura, que sempre foram um casal perfeito, pareciam estar brigados.

A segunda gota decide cair no meu ombro.

Mesmo sabendo que não trariam o resultado que eu queria, tentei forçar outras chaves na fechadura. Voltei na que eu tinha certeza e a forcei na entradinha, mas sem resultados positivos.

Um forte trovão brada nos céus.

Com o devido cuidado com as minhas queridas cervejas em promoção, as deposito no chão junto com a pizza congelada. Deslizo os dedos pela ‘chave imperfeita’; estaria a minha peça quebrada?

Mais gotas já começavam a molhar meus óculos, já não conseguia saber um número exato.

Observo sobre os ombros se havia alguém na rua. Mas as nuvens escandalosas com certeza afugentaram a todos que pretendiam sair de casa. Volto minha atenção para o chaveiro e me deparo com o último presente que eu recebi ‘dela’.

Sim, ‘dela’. Aquela-Que-Não-Deve-Ser-Nomeada, com toda a exímia referência ao grande vilão de Harry Potter.

Um pequeno Darth Vader me encara enquanto sinto a chuva começar a molhar toda minha camisa. Pego as cervejas e vou para a quina da portaria, onde o prédio podia me proteger.

O último presente que recebi  Daquela-Que-Não-Deve-Ser-Nomeada ainda estava comigo em todos os lugares.

Lembro do dia em que tinha recebido o pequeno imperador sith. ‘Ela’ sempre abria um sorriso quando eu falávamos de Star Wars e como gostava de me ouvir falar o que faríamos se tivesse os poderes de um jedi.

A chuva logo parecia saber que eu estava ali, e, na inclinação correta para me molhar, veio na diagonal.

A água que escorria da minha cabeça era confundida com as que surgiam na parte inferior dos meus olhos. A saudade ainda doía. Só de pensar em tudo que a gente passou, o momento virava um pesadelo. Deslizo meus dedos para o chaveiro seguinte. Meu abridor de cerveja.

Talvez a chave tivesse se tornado como o dono: imperfeita.

Abaixo e tiro da sacola uma Stella. Ainda estava gelada. Graças ao abridor, pelo menos eu poderia me deliciar com o gosto do liquido fermentado. Teria que esperar alguém aparecer no portão. Para minha infelicidade, tocar o interfone estava fora de cogitação: a luz já tinha acabado.

Termino a primeira cerveja e já abro a segunda.

Quase meia hora depois, quando a chuva já havia estiado, um rapaz desce de uma moto e segue em direção ao portão. Olha para um lado e para o outro e abaixa, tirando algumas ferramentas de dentro de uma caixa azul.

“Ficou preso do lado de fora?”, questionou o chaveiro.

Achei que minha roupa ensopada falava por si só e forcei um sorriso no canto da boca. Depois de alguns minutos ele tirou um pedaço de chave quebrado de dentro da fechadura. Ao final daquele dia, eu tinha entendido o que tinha acontecido.

Assim como “ela”, a culpa não era minha. Era da fechadura, que não estava preparada para receber outra chave.

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