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O GRANDE COMPANHEIRO DE VOVÓ / Iago Rodrigues

Era de cima do armário da cozinha que sempre vinha aquele vibrado, o tinido que da maneira mais abundante me acompanha desde criança. Sim, eu mesmo, o neto mais velho e criado com a vovó. O barulho tão marcante sempre teve horário marcado para começar, não é um despertador, mas fazia a função de tal, seu despertar pouco mais tarde que o cantar do galo era precisamente ás quinze para sete da manhã, sem folgas, nem mesmo em feriado e finais de semana. O vibrado é o marco da casa da vovó, sendo permanente nas segundas mais frias de inverno acompanhado nas tardes ensolaradas de verão com o timbre marcado parar encerar com o por do sol.

Tenho que confessar que até hoje convivo com este barulho, que nunca me deixou ficar acordado até mais tarde nem mesmo aos domingos. Para fazer as lições de casa tinha que haver acordo com vovó, o barulho que por vezes era aumentado competia com o desenho animado, assistir TV em casa era o meu maior dilema.

Em casa já é tão habitual a presença do vibrado, que já ficou no automático acordar cantando as melodias que vão do “sentado no banco da praça” ao “a majestade o sabiá”. O objeto é o fiel escudeiro o “sancho pança” e inseparável de vovó. Sem falar daquele típico anúncio da vassoura princesinha, a melhor da cidade, que reproduzido trocentas vezes ao decorrer do dia, era mesmo comum me pegar cantando a musiquinha do comercial. Como não rir disso, minha gente?

Esse objeto barulheeeeeento é um legado do meu bisa para a vovó.  O campo era o maior meio de distração para eles. Além das melodias que contavam as experiências de vovó, “do cabelo loiro vai lá em casa passear”, do cabelo loiro de vovó que nunca ousar a querer matar, remetendo às lembranças de suas paqueras que só podiam ser apreciadas da janela porque o bisa era bravo, e como ela mesma gosta de dizer “fogo no chapéu do guarda”. O objeto é parte da história de vovó, não seria muito injusto pensar em tirar ele dela?

O velho companheiro das antenas remendadas, com aquele descascado que remetia a ferrugem é colocado propositalmente em cima do armário empoeirado de madeira envernizada, para que nenhuma mãozinha boba ouse fuçar ou mesmo se atreva a desligar. Se acaso a energia fosse interrompida era uma verdadeira afronta para vovó, que sentia sem força como sansão sem os longos cabelos, portanto, o melhor é nem pensar em afrontar.

Aquele grave seguido do fundo da viola, do acordeão e da gaita advindo de melodias de raiz do sertão era traduzido pelo avassalador rádio da vovó que permanece até os dias de hoje sintonizado na rádio Liberdade.

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