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ANDARILHO DAS ESTRELAS/Lucas Soares

Dizem por aí que por baixo de um grande homem e de uma grande mulher há sempre um confortável par de tênis. Não faço ideia de quem disse essa frase, muito menos se ela existe realmente, mesmo que atribuída a algum pensador atual. O fato, no entanto, é que: sim, todo mundo tem um par de calçados que ocupa um lugarzinho, ou um lugarzão, a depender do tamanho dos pés do dono, nas melhores lembranças. Aqueles que, mesmo desgastados, rasgados, destruídos, já sem cor, a gente não quer desfazer por ter atribuído muito mais que o sentimento de posse daquele objeto. Eu, particularmente, sempre fui muito apaixonado por meus all stars e jurei amor eterno a alguns. Não cumpri.

Tudo começou quando eu tive um super-poder de conseguir escolher meus próprios tênis, lá pelos 10 anos. Antes, quando íamos às lojas para as compras, meus pais escolhiam os calçados que serviriam até que os meus pés crescessem. Requisito? Custo-benefício. Ficava chocado e sem alternativa ao ter que decidir entre o de molas e o que vinha com um brinde. Obviamente, já era maduro o suficiente e escolhia com sensatez: a caixa que tinha o brinquedo.

 

Em 2006, quando a adolescência começou a bater em minha porta, tudo mudou. Diante dos meus olhos, já ampliados para quatro – descobri a miopia naquela época –, o canal MixTV ditava o assunto na escola em que estudei todo o meu ensino fundamental, quando trocávamos o trecho de Beyoncé, originalmente “to the left” para “tira o leite”. Uma pré-adolescência incrível, digamos. A revolta, portanto, aconteceu na próxima ida à loja de sapato. Afinal, eu já havia até orado a Deus para que meu pé crescesse e eu batesse de frente na próxima compra. “Quero aquele”, provoquei. “Tem certeza?”, retrucou meu pai. “Sim, tenho”, respondi. “Tudo bem, o preço está bom”, concordou, enquanto pegava o modelo apontado.

 

O início “rebelde” da adolescência, com trilha sonora de Justin Timberlake, High School Musical e RBD – é claro! – deu lugar à juventude, num universo tilelê, potencializado por grandes nomes da MPB, como Nando Reis, que eternizou o modelo de calçado em sua música. Em homenagem à Cássia Eller, o músico contou que o all star azul da cantora combinava com o dele, preto e de cano alto. Eu, como aqueles adolescentes que se perguntam “por que não nasci naquela época?”, já tive os dois. E, sim, estranho gostar tanto não só do azul, atual e que tem aprendido e amadurecido com o tempo. O preto de cano alto, veterano de guerra, me rendeu boas e históricas lembranças, participando, inclusive, de outra mudança: a entrada na vida adulta.

Em 2014, como uma tentativa de adquirir de liberdade, dei entrada na habilitação. Fui à autoescola, fiz aulas de legislação, passei na prova – embora tenha chegado atrasado e contado com o apoio de um funcionário que olhou-me de cima a baixo e me permitiu a entrada –, dirigi o carro, bati uma vez no meio fio, tomei pau em um exame e, no outro, passei. Todo esse processo foi em companhia do all star preto, de cano alto, que, com sua aderência e firmeza, em meu pé de número 38, fez com que eu conseguisse equilibrar simultaneamente os pedais de embreagem e de aceleração.

Foram momentos difíceis, mas, somente esses pares de tênis, coloridos, surrados, sabem o que eu passei. O que nós passamos. Afinal, dedicaram suas vidas aos meus pés, passando por poucas e boas e indicando caminhos, como se dissessem: “Ei, cara, tamo junto”. Afinal, como diria outro pensador, “diga-me com qual cor de all star você anda e eu te direi quem és”.

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