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SOBRE CAVALEIROS E MENESTRÉIS / Luiz Vila Real

Desde que me entendo por gente, me vem à cabeça o sonho de ser um cavaleiro. Sim, cavaleiro, daqueles que usam armadura, e o imaginário popular os construiu como homens santos e determinados, que erguem seus estandartes e lutam pelos ideais de seu povo, brandindo suas espadas e rumando em direção às hordas de inimigos.

Um detalhe importante, nestes nobres guerreiros, é montar num cavalo, e possuir uma espada. Foi daí que tive de desistir do meu sonho; minha casa não tem espaço para abrigar um equino, e a ideia de portar uma espada a princípio era legal, mas com o tempo aprendi que minhas definições de “legal” não são as mesmas da Justiça. Na verdade são o contrário do significado usado pelos profissionais jurídicos, então preferi abdicar do meu delírio.

Mas, tal qual no filme A Espada Era a Lei, adaptação “disnêica” da lenda do Rei Arthur,, eu haveria de encontrar a minha Excalibur, em algum dia próximo ao Natal, fincada numa pedra ou bigorna. E assim foi, aos meus onze anos: enquanto conferia os presentes que ganhei no dia 25 de dezembro, fiquei maravilhado com uma capa de lona sintética, negra e reluzente como obsidiana.

Num gesto impetuoso, tentei erguer aquela capa - que exalava (e ainda exala) a fragrância Nouveau nº1, extraída de objetos novinhos em folha. Tal como Arthur, percebi a dificuldade inicial de puxar o artefato do chão. Era mais pesado do que eu imaginava. Com um pouco de força, levei-a de frente para minha família, e revelei o conteúdo do sinuoso invólucro.

“Espada” não é, de perto, a melhor definição para aquilo que se descortinou diante de meus olhos. Era uma espécie de machado de guerra. Mas não um machado comum.

Na base, possuía um detalhe curvo, onde estavam, milimetricamente posicionadas, seis chaves banhadas em cromo. O que parecia ser o cabo era de formato oblongo, com madeira clara na parte abaulada, e escura na parte plana - essa incrustada de saliências retilíneas de metal, também posicionadas com precisão, e distando umas das outras, quase seguindo a proporção áurea.

Sei que muitos podem estar pensando que este texto está começando a parecer um diálogo de documentário do History Channel, com objetos estranhos, OVNIs, e envolve deuses astronautas e sondar o espaço. Peço calma! Não tirem conclusões precipitadas. Se já tiraram, tudo bem, errare humanum est.

Este era um machado de dois gumes diferente: sua cabeça era um bloco de madeira maciço. Era da cor do aço, e o formato remetia a uma lâmina dupla, porém a espessura não lhe permitia ser afiada; o corpo espesso era complexamente estruturado: na lateral esquerda - ou direita, dependendo do ponto de vista -, dois botões cromados giratórios e uma chave seletora; ao meio, cinco blocos de plástico que continham ímãs estavam fixados na madeira, dispostos em fileira.

E o detalhe mais intrigante de todos: uma engenhoca composta de parafusos de diferentes tamanhos e molas, instalada abaixo dos blocos de plástico. Possuía seis peças cromadas que lembram uma cabeça de um robô de desenho animado. Das bocas dos robôs saíam seis cordas, de diferentes espessuras.

Ergui o machado, do lado certo, e comecei a tocar nas cordas, como num violão. O som era bem baixo, quase imperceptível. Meu pai me disse: “Tem que ligar isso na caixa com um cabo, pra sair o som. Vou pegar pra você, espere um pouco.”

E assim, o machado tornou-se guitarra, e o aspirante a cavaleiro descobriu-se menestrel.

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